Nação Crioula de José Eduardo Agualusa.




Nação Crioula

José Eduardo Agualusa

Isbn: 8585469552
Páginas: 160 
Editora: Gryphus
Ano de publicação: 2006
  
O leitor de Nação crioula ficará surpreso com a maestria de Agualusa ao tratar um assunto tão intragável, como a escravidão, de uma maneira tão leve, simples e humorada.

José Eduardo Agualusa, nasceu em 13 de Dezembro de 1960 e é natural de Huambo, Angola. Seus livros foram traduzidos em uma dezena de idiomas e já escreveu duas peças teatrais. Além de assinar uma crônica quinzenal na revista Pública e realizar um programa de música e poesia africana, Agualusa é membro da União dos Escritores Angolanos e foi beneficiário de três bolsas de criação literária e uma delas foi concedida em 1997, pelo Centro Nacional de Cultura para escrever então Nação Crioula.

Em Nação Crioula, Agualusa consegue, de uma forma suave e linear, prender nossa atenção à sua narração, nos fazendo interagir com o texto e com os personagens. Sua obra, inspirada nas cartas escritas pelo personagem queirosiano Carlos Fradique Mendes, é uma homenagem ao escritor Eça de Queiróz, por quem Agualusa tem grande admiração como disse em entrevista ao Jornal O Estado de São Paulo, “O livro pretende ser uma homenagem a Eça de Queiróz, que foi quem me conduziu à literatura, isto é, foi a minha primeira grande paixão literária”.

Publicado em 1997, Nação Crioula retrata, com expressões que vão do cômico ao dramático, o tráfico negreiro e o movimento abolicionista no final do século XIX, sob o ponto de vista do curioso e aventureiro Fradique Mendes, um integrante da alta sociedade portuguesa que é contra o regime escravista. E, para dar um toque especial, Agualusa incrementa o romance com uma linda história de amor entre Fradique e a determinada ex-escrava Ana Olímpia Vaz de Caminha, que se tornou uma das pessoas mais ricas e poderosas de Angola. Além de trazer citar personagens ilustres da nossa história como José do Patrocinio e Gonçalves Dias.

Trazendo como subtítulo A Correspondência secreta de Fradique Mendes, a obra de Agualusa é bem estruturada em 25 cartas enviadas por Fradique à sua madrinha Madame Jouarre, sua amada esposa Ana Olímpia e ao grande amigo Eça de Queiróz, que no romance é ficcionalizado junto com outros personagens reais, narrando de uma maneira bem humorada a epopéia que viveu nesses anos de aventura e luta contra a escravidão passando por Luanda, Lisboa, Paris e Brasil. No romance, Eça foi o responsável por reunir as correspondencias e publica-lás após a morte de Fradrique.

Com um toque emocional suave e intenso e um humor muito peculiar, as cartas de Fradique nos fazem mergulhar em uma atmosfera, como ele mesmo cita no primeiro paragráfo, ora “...quente e úmido com cheiro de frutas e cana-de açúcar...”, ora “...subtil, melancólico, como o de um corpo em decomposição” (p. 11). O romance traz ainda uma carta final datada de Agosto de 1900, enviada por Ana Olímpia à Eça de Queirós após a morte de Fradique, em que, com uma mescla melancólica de tristeza e felicidade, narra a abolição da escravatura e o final desta história em que aconteceu de tudo um pouco.

Unindo as 25 cartas remetidas por Fradique à carta de Ana Olímpia, temos 26 belos capítulos distribuidos em 148 páginas de pura aventura que farão com que o leitor embarque no Nação Crioula, que no romance de Agualusa é o último navio negreiro que cruza o Atlântico negro de Paul Gilroy, levando consigo os últimos escravos transportados da Angola para o Brasil. Este navio leva também, clandestina e ironicamente, Fradique, um português abolicionista e sua esposa Ana Olímpia, uma escrava angolana fugitiva.

Além de inteligentes ironias, Nação Crioula é um livro repleto de contradições. Uma escrava casada com um comerciante de escravos, um abolicionista viajando num navio negreiro... Estas e outras questões podem ser lidas como críticas a desordem em que ficou a Angola com invasão estrangeira e a tentativa de desconstrução de toda a cultura do país, como Fradique defende: “E qual a diferença, afinal, entre um manipanso1 cravejado de duros pregos e a estatueta de um homem pregado na cruz? Antes de forçar um Africano a trocar as peles de leopardo por uma casaca do poole, ou a calçar umas botinas do malmstrom, seria melhor procurar compreender o mundo em que vive e a sua filosofia.” (p. 17).

Em Nação crioula temos acesso à duas realidades, a do escravista e a do escravizado. Ana Olímpia, angolana, viúva e herdeira de um conceituado comerciante de escravos na Angola, acostumada com o requinte que era sua vida, é brutalmente submetida à dolorosa e humilhante condição de escrava da mais perversa habitante de Luanda, Gabriela Santamarinha, que é conhecida por todos pela sua feiura e maldade “...não pode haver mulher tão completamente feia e tão satisfeita de o ser.” (p. 22). Ao escrever a última carta do livro, dirigida a Eça de Queirós, Ana Olímpia narra toda a felicidade que passou como a senhora Vaz de Caminha o todo o sofrimento que passou como escrava.

A viagem pelo Atlântico, de Angola para o Brasil, é retratada nesta mesma carta como um ritual de vida, morte e renascimento. “Muita gente não compreende porque é que os escravos, na sua maioria, se conformam com a sua condição uma vez chegados à América ou ao Brasil. Eu também não compreendia. Hoje compreendo... ...na nossa língua (e em quase todas as outras línguas da Africa Ocidental) o mar tem o mesmo nome que a morte: Calunga. Para a maior parte dos escravos, portando, aquela jornada era uma passagem através da morte. A vida que deixavam em Africa, era a Vida; a que encontravam na América ou no Brasil, um renascimento” (p. 157)

Nação Crioula é assim, uma convidativa caminhada nesta terra de incertezas, onde a tristeza e a felicidade caminham lado-a-lado.
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1. Manipanso – Boneco esculpido em madeira idolatrado na cultura africana como uma espécie de Deus.

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